por P.e Aires Gameiro, ISJD
Uma semana de pastoral com emigrantes portugueses na região da Bretanha (França) trouxe algumas surpresas. Na região de Rennes, onde haverá umas duas mil famílias de portuguesas, algumas mistas e de duas e três gerações, observa-se um movimento inovador nestas famílias mas ainda mais em várias dezenas de famílias francesas visitadas. São em número crescente as que estão a apostar na sua horta familiar, por vezes combinada com o pequeno pomar. A razão principal não exclui a poupança mas assenta na decisão de consumir produtos biológicos. Há uma vontade forte de se defenderem dos produtos químicos nocivos que avassalam muitos produtos do mercado.
O responsável diocesano dos imigrantes, a par da pastoral, tem desenvolvido o alerta aos danos de muitos alimentos industriais das multinacionais e dá o exemplo com a sua mini-horta biológica. Na dinâmica da concorrência muitas empresas não hesitam em recorrer a químicos que “artificializam” a rapidez do crescimento e o tamanho dos produtos para esmagar a concorrência esmagando igualmente a saúde dos consumidores.
As hortas familiares não entram, porém, na luta pelos mercados. Vão-se constituindo grupos de vizinhos em círculos de alguns quilómetros que estabelecem contactos e trocam informalmente entre si os seus produtos, alguns também de animais criados de forma biológica. Não circula dinheiro, só trocas de géneros e de amizade. Estas trocas estendem-se ainda às sementes e às plantas de alfobre para transplantar, melhoradas e seleccionadas por cada vizinho na sua horta. As pequenas hortas familiares estendem-se a outras regiões da França. Vão alastrando nos seus variados efeitos. É ainda cedo para tirar conclusões: se é apenas mais uma onda ou se vai imprimir mudanças sócio-económicas no futuro. Para já é saudável comer favas, rabanetes, cerejas, alface colhidos no dia ali ao lado na horta e pomar e ouvir: mais dois euros, mais três euros de poupança e menos “importação”, etc.
Durante esses dias uma rádio francesa dava a notícia de que na Alemanha se estavam a constituir bolsas análogas de sementes e plantios dentro do mesmo espírito: produtos saudáveis e defesa contra as multinacionais que desde há decénios, de forma sistemática, se têm apoderado sub-reptíciamente, do monopólio de sementes, não raro com falsas razões de que as suas sementes são “especiais”, têm esta e aquela propriedade alimentar apesar de não se poder fundamentar cientificamente essa afirmação e ser mais provável o contrário.
O aspecto de economia doméstica deste sistema de produção familiar é igualmente importante porque reduz as importações da família e os respectivos gastos. Tratando-se simultaneamente de um hobi sem horários sobrecarregados e de um exercício físico saudável, só se contabilizam os benefícios para a saúde e vida fora dos centros citadinos poluídos. São iniciativas familiares de micro-empreendimentos inteligentes para promover a saúde e independência familiar. Só é de esperar que as grandes empresas lucrativas não pressionem os poderes políticos para as sobrecarregarem de impostos e manterem a concorrência.
Há, porém, outras vantagens para a família. Os mais novos, de forma permanente ou por períodos, em vez de artificialismos, beneficiam no seu crescimento da pedagogia de realidade de trabalhar o solo, semear os grãozinhos, plantar vegetais minúsculos e ter a experiência de ver crescer as plantas a um ritmo natural, de as regar, de limpar as ervas e, finalmente, de colher os frutos do trabalho. Ver que não há colheita sem sementeira e cultivo (cultura) sem trabalho. Note-se que há grandes coincidências entre a desagregação da família e a destruição da agricultura familiar: as crianças começaram a viver no irreal, as famílias tornaram-se “estéreis”, as crianças obesas, os jovens “poluíram-se” com tantos produtos inundados de conservantes, “tintas” de coloração, artificializadas com açúcar e mil e um artifícios orientados para a manipulação e o lucro, para não falar da calamidade da droga.
O facto de desenraizar as pessoas da cultura da terra reduziu a sua autonomia, tornou-as joguetes do artificial, dos cordelinhos dos poderes difusos e impessoais do lucro que as têm lançado em variadas crises e novas escravaturas.
Rennes, 30 de Maio de 2011
Aires Gameiro
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